segunda-feira, 9 de julho de 2007

PRECISO QUEBRAR O SILÊNCIO

Preciso quebrar o silêncio, libertar o verbo, faz tempo, aprisionado em mim. Desentranhar sentimentos, materializar substantivos, enfatizar adjetivos, construir uma oração onde o tempo seja o eterno recomeçar.

Preciso quebrar correntes, revelar segredos, atirar pela janela todos os meus guardados, móveis, tapeçarias, utensílios, quadros, deixar a casa vazia, inclusive de espelhos... Preciso me reconstruir por inteiro.

Preciso telefonar, urgentemente, para aquele amigo que se fez ausente. Preciso saber onde errei e se ainda há tempo, e se não errei: preciso saber aceitar seu silêncio.

Preciso abrir portas e janelas, deixar o vento varrer toda a casa, e que os pássaros invadam a sala, preciso alimentá-los, principalmente de amor.

Preciso me apaixonar outra vez, reler tuas cartas, escrever outras, dizer que te amo, e ainda quê, há tanto tempo, ao meu lado, te abraçar com ternura, tratar de ti com cuidado.

Preciso cuidar melhor do meu jardim, regar na medida certa, flores e folhagens, podar alguns galhos secos, retirar ervas daninhas, partes amareladas, apodrecidas.

Preciso do abraço amigo, dos olhos nos olhos sem máscaras, da palavra que exorcize o medo de falar daquilo que gosto, e ainda assim, deixar bem claro que respeito, quem prefira de um outro jeito e compreendo a vida que têm para viver.

Preciso caminhar por este mundo, respirar o ar que ainda posso, rever lugares, pessoas, cidades, varar madrugadas desertas, saborear frutas colhidas sem pressa, curtir o som das águas de um rio a lapidar pedras, margens, caminhos, sentir o cheiro da chuva, das ervas escolhidas, remédios.

Preciso rever lua cheia e que não seja contaminada pelas luzes que vêm da cidade, e ao amanhecer forasteiro num lugar distante de tudo, entender que a vida podia ser diferente daquela que eu escolhi pra viver. Preciso acreditar que ainda existem muitas vidas a serem vividas e muitos outros lugares por onde eu possa me conhecer.

Preciso caminhar pela praia, sentir a areia entre os dedos, colher pedrinhas, conchinhas, reencontrar aquela sereia, mergulhar com ela nas águas, pedir a benção madrinha! Licença, pro teu filho, vim te visitar.

Preciso morrer daqui a algum tempo, e que seja uma morte sem dor. Que eu encerre como se fosse um poema, escrito por urgências de vida, por inquietudes estranhas, latentes, e eu fiz o melhor que pude! Fui um poeta, ainda que tardio, da linguagem da minha gente; pois sou caboclo, mestiço, cafuzo, visceralmente confuso, sem medidas métricas ou rimas, confessadamente insano pelo muito que semeei. Preciso comer certas sementes, deixar que elas germinem e, no tempo certo, floresçam livremente lá dentro de mim.
Que eu encerre como se fosse

1 comentário:

Anónimo disse...

aprender com os erros do passado para inaugurar um novo e bom futuro