quinta-feira, 28 de junho de 2007

Contracanto

A poesia não é um campo de flores
A poesia é um campo de dores
temores
sobressaltos
sensações nítidas do nada,
iras bastardas,vasto campo
onde o homem desloca o eixo da vida a oeste.
A poesia é o périplo e a vertigem.
A busca e o desencontro, o encontro jamais buscado.
É a verruma do segredo
que crava o peito do homem
nos muros rijos do medo.
É a astuta armadilha
que arranca o homem sangrado
do fundo da sua ilha.
É arma que nunca falha
ao cortar a dor humana
com maciez de navalha.
A poesia é a moça de olhos abertos
aos apetites do mundo, é a moça.
É seu sexo,babel voraz de espirais sem nexo
É a toca.
O refúgio.
A vertigem.
O pássaro baleado na viagem.
Leoa de fulva penugem devorando a paisagem.
Veleiros e naus antigas cujos mastros não atingem
Os cais de bronze e salsugem.
A poesia está na vida
como a vida está na morte: una, contínua e forte.
A poesia tem vísceras
além de alma:glândulas que pulsam fora de rimae ritmo.
É istmo alongado entre saudades remotas
de rotas ocultas e mortas.
É tudo que ruge e amedronta:o silvo longo da bala,o mistério e a cabala.
É a afronta.
A poesia está na história
e não está: outrora, foi dramática, lírica e épica.
Hoje é frenética.
E como o tempo
é módulo vivo em perpétuo movimento:pêndulo a oscilarnos pólos do seu tormento.
É o viver coagulado-sangue do homem sóe emparedado.
É a desolação post-coitum.
O homem transubstanciado e morto.
É mais a guerra que a paz.
Menos a flor que o ferro.
Visão alucinatóriada cegueira de Homero.
É o gesto oculto de Aquiles de Pátroclo nos funerais:uma mecha de cabelo
entre as mãos do bem-amado do maior dos generais.
É mão trêmula sobre mão
fugindo à solidãoda vida e da noite.
É o açoiteO desespero da noite, os sexos
Que se penetram, dardosem úmidas cavernas, vidavã que se revela:dura e eterna como os cardos.
É o soco rude na face.A fome do homem.
A agressão sem disfarce.
É a TV desligada reinventando o silêncio.
É a manchete que berra
a grande verdade do mundo: guerra.
O tédio. A solidão. A demência.
A brusca flagelação de uma autopenitência.
Fulgurações de punhal nos olhos do assassino.
As marcas da cicatriz vincadas pelo destino.
A sala. O relógio. O abandono.O corvo turvo de Poe grasnando no nosso sono.
É a máscara mortuária: o ríctus da boca amarga
cingindo na língua imóvel a palavra solidária.
É o vazio. O espanto.
É a surdez de Beethoven
A mágoa dos que não vêem.
A fúria dos que não ouvem.
É tudo que dói e fere entre o real e o mitopulsações do sonho humano feito de sangue e conflito.
A poesia não é um campo de flores.É o áspero contracanto.
A boca imobilizada no vértice de uma madrugada
de temores e desamores
A poesia é um campo de dores.
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