terça-feira, 13 de novembro de 2007

A Procura da Poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia
Diante dela, a vida é um sol estático
não aquece nem ilumina
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.


Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro.
são indiferentes
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.


Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo ds casas.


Não é música ouvida de passagem: rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuve e noite, fadiga e esperança nada significam


A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto


Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir
Não te aborreças
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família.
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.


Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação
Que se dissipou, não era poesia
Que se partiu, cristal não era.


Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero
há calma e frescura ma superfície intata
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio


Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o.
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no
espaço.


Chega mais parto e contempla as palavras
cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrível, que lhe deres:
Touxeste a chave?


Repara:
ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmida e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

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