sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Palavras Honestas

Será que conseguimos ficar em silêncio até que nossa mente esteja tranqüila? Podemos aguardar até que as palavras corretas venham, aquelas que não magoam e são honestas? O que são palavras honestas?
"Enquanto tivermos a menor intenção de ter razão, de mostrar ou ensinar algo ao outro, precisamos nos acautelar. Enquanto nossas palavras tiverem ligação com o ego, serão desonestas. As palavras verdadeiras saberão se dizer na nossa aquietação."
Joko Sensei, minha primeira mestra zen, falava calmamente, mas era enfática. Tinha grandes olhos azuis, cabeça raspada. Tinha mais de 60 anos, acredito. Interessante.
Eu não poderia catalogá-la ou encaixá-la nos padrões comuns. Vestia-se de negro, com o manto monástico, e usava um anel no terceiro dedo de sua mão esquerda. Ou seria a direita? O tempo nos faz esquecer.
Procurando na memória, a primeira imagem é o nosso encontro individual. Estava em Los Angeles, na Califórnia.
Eu trabalhava no Banco do Brasil como recepcionista e, mais tarde, secretária. Depois de descobrir o zen, todas as manhãs, antes do trabalho, participava da meditação das 5h20. Eram dois períodos de 35 minutos, intercalados por cerca de cinco a dez minutos, durante os quais caminhávamos lentamente. Voltávamos a sentar, de frente para a parede. Havia 30 ou mais pessoas na sala. Não nos olhávamos, não nos falávamos.
Depois, éramos convidados a ter uma entrevista com um dos professores. Havia vários, mas Joko Sensei era minha orientadora.
Eram agradáveis esses encontros. Muitas vezes, bastava olhar em seus olhos e toda a minha fantasia sobre mim desaparecia.
Um raio de luz entrava pela janela. Janela da sala. Janela da mente. Quantas vezes entrei nessa sala de entrevistas. Essa sala poderia ser qualquer espaço. Nenhum valor poderia descrevê-la. Em qualquer lugar que fosse, bastava que Joko Sensei estivesse ali, silenciosa e calma, para que a sala se tornasse o local do encontro com a verdade, a honestidade, a simplicidade, o conhecimento.
E como é difícil sermos honestos conosco mesmos. Um antigo mestre zen, Sawaki Kodo Roshi, que havia servido o Exército japonês durante a guerra e depois se dedicara a ensinar a meditação por todo o país, dizia que meditar era apenas o eu com o eu.
Estamos mais acostumados a conversar com outras pessoas, a nos distrairmos com televisão, cinema, teatro, música, literatura e Internet. Os intelectuais gostam de intelectualizar. Os professores gostam de ensinar. Mas, ser capaz de ganhar alguns momentos todos os dias, de estar apenas o eu com o eu é a proposta instigadora do zen.
Algumas pessoas têm medo da solidão. Correm para festas, centros movimentados de compras, danceterias, sem perceber que muitas vezes estão mais sozinhas.
Outras têm medo de gente. Querem se esconder e se assustam com a quantidade de seres que habitam cada um de nós.
Sentar-se com a coluna ereta, uma parede lisa. Respirar e deixar que tudo se assente naturalmente, como um copo de água e terra. Se o copo for deixado quieto, em alguns minutos a terra fica no fundo, e a água, em cima. Assim acontece com a nossa mente.
A mestra Zen Joko me dizia: "Aquietando-se a mente, a palavra verdadeira surge. A verdade se torna clara e límpida. Não aquilo que chamamos de verdade. O verdadeiro que nem sempre é o que pensávamos ou queríamos que fosse. Mas o que é, como é".
Joko Sensei me ensinava a entrar em contato com minhas emoções e sentimentos. Perceber o medo, a raiva, sem mascarar. Não é fácil. É um processo contínuo e ininterrupto. Falar sem magoar ou ofender, sem mentir e enganar. Pensar de maneira a compreender o que está acontecendo, sem absolver, perdoar ou condenar. Agir percebendo em cada ser o sagrado

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