sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Moral moderna: mentiras que a gente conta... para si mesmo!

Li o seu artigo "Moral Moderna". Atualmente passo por uma situação de envolvimento com um homem casado e embora tenha me apaixonado e me envolvido, de fato, há mais de dois anos, desde o princípio venho piamente buscando romper o relacionamento, por sentir um profundo incômodo e irritação com a situação. Pergunta: seria esta uma reação interna movida pelos preconceitos e moral ou ética externa aceita por mim consciente ou inconscientemente, ou será mesmo uma ética interna, particular, de alma? Poderia abordar a ética nos relacionamentos? S.

Não sou radical, longe disso. Acredito que nenhum bolo de chocolate feito com carinho, não importa quão solado e sem gosto esteja, merece um "que droga, está um horror!" Para mim, os limites da mentira são sempre a gentileza, a cortesia e a compaixão...

Também não sou daquelas que acreditam que amor verdadeiro entre casais - de qualquer tipo, cor e formato - pressuponha a bisbilhotice invasiva dos meandros um do outro. Existem recantos na alma que não carecem de serem exibidos, nem compartilhados. Nem bons nem maus, nem vergonhosos, nem indignos, são nossos... apenas!

Mas...

S. me diga uma coisa, que diferença faz se o seu desconforto com o fato de estar envolvida com um homem casado é uma reação a uma ética externa ou se obedece a um princípio moral interno, como você diz, “de alma”? É você que está perturbada com isso, não é? É você que se incomoda com a situação que está vivendo e é você que precisa responder todos os dias na frente do espelho: posso me sentir uma pessoa ética mesmo enganando o outro?

Em todas as questões éticas e/ou morais, o que está em jogo é sempre a adesão. Sociopatas são criaturas que não conseguem se comprometer com os valores coletivos, não é? A gente não. Nós queremos e precisamos estar alinhados com os outros. Nossa aderência aos valores coletivos reflete nossa crença nestes valores.

O problema é que nem sempre a gente consegue fazer nossa ação caminhar lado a lado com as nossas crenças. Isso vale na hora de se alinhar com os princípios éticos, vale na hora de começar a dieta, de parar de fumar, de ousar colocar os sonhos na vida, de provocar as mudanças que seriam uma reviravolta no nosso “destino”...

Todos os seres desejam ser felizes e evitar o sofrimento, ensinam os mestres budistas. Mas o que acontece quando o seu desejo de ser feliz tromba com o meu? É exatamente no segundo que a gente leva para responder a esta pergunta que entra a ética.

“Pelo fato de nossos interesses estarem inextricavelmente ligados somos impelidos a aceitar a ética como uma interface indispensável entre o meu desejo de ser feliz e o seu”, diz o Dalai Lama, num livro fundamental: Uma Ética para o Novo Milênio.

Viu, só? Ética é coisa muito simples... a gente roda, roda e sempre estamos falando de felicidade e de sofrimento. O nosso e o dos outros. Porque, cá para nós, não dá para ser feliz de verdade à custa do sofrimento do outro, certo?

E ser enganado faz a gente sofrer. E você pelo visto está sendo enganada, há anos... só que você está tão preocupada em não mentir que não percebeu... quem está sendo enganada é você. É para você que andam mentindo... e é com o SEU sofrimento que você tem que aprender a lidar...

Equilibrar nosso desejo de felicidade com nossa aversão ao sofrimento, o nosso e o do outro, é tarefa delicada, intransigente, exige disciplina e exercício. O nó das relações à base do “eu não consigo lidar com nenhuma contenção ao meu prazer, então é mais fácil mentir” é coisa bem difícil de desatar...

E, em geral, não tem nada a ver com a ética, mas com motivação, respeito próprio, auto-estima, confiança, alegria de viver...
Receita ninguém tem, mas estamos aqui, sempre que quiser conversar... boa sorte!

Ah, e leia o livro do Dalai Lama. É realmente refrescante enxergar a ética e a moral do ponto de vista dele...
Uma ética para o novo milênio, Sua Santidade o Dalai Lama

Sem comentários: