terça-feira, 22 de janeiro de 2008

DENTRO DA NOITE

É noite. À Terra volvo. E, lúcido, entro

Em relação com o mundo onde concentro

O espírito na queixa atordoadora

Da prisioneira, da perpétua grade,

__ A misérrima e pobre Humanidade,

Aterradoramente sofredora!



Ausculto a humana dor, que hórrida sinto,

Dalma quebrando o cárcere do instinto,

Buscando ávida a luz. Por mais que sonde,

Mais o enigma do mundo se lhe aviva,

Em diferenciação definitiva,

Mais a luz desejada se lhe esconde!



É o quadro mesológico, tremendo,

De tudo o que ficou no abismo horrendo

De tenebrosa noite de gemidos;

São uivos dos instintos jamais hartos,

As dores espasmódicas dos partos,

A desgraça dos úteros falidos.



É a ânsia afrodisíaca das bocas,

Que nas bestialidades se unem loucas,

As bactérias mais vis ambas trocando

as dolorosas mágoas dos enfermos,

Sentindo-se em seus leitos como em ermos,

Deplorando o destino miserando.



São os ais dos leprosos desprezados,

Tendo os seus organismos devastados

Pela fome insaciável dos micróbios,

Sentindo os próprios membros carcomidos,

Verminados, cruéis, apodrecidos,

Plantando a dor no chão dos seus cenóbios...



É o grito, o anseio, a lágrima do homem

Agrilhoado aos prantos que o consomem,

Preso às dores que se lhe agrilhoaram;

É a imprecação de todos os lamentos

Dentro do mundo de padecimentos,

Dos desejos que não se realizaram.



Pábulo sou dessa hórrida agonia

E nos abismos da hiperestesia

Experimento, além das catacumbas,

Essa angústia indominável, atrocíssima,

Junto da emanação requintadíssima

Do ácido sulfídrico das tumbas,



Trazendo dentro dalma, envoltos na ânsia,

Asco e dó, piedade e repugnância

Pelo espírito e o corpo nauseabundo;

E com os meus pensamentos desconexos,

Vejo a guerra pestífera dos sexos,

Abominando as coisas deste mundo.



Terra!... e chegam-me fortes cheiros acres,

Como o cheiro de sangue dos massacres,

Fétido, coagulado, decomposto,

Escorrendo num campo de batalhas

Onde as almas se vestem de mortalhas,

Desde o sol-posto, ao próximo sol-posto.



Apavora-me o horror dessa miséria

E fujo da imundície da matéria,

Onde traguei meus grandes amargores;

Fujo... E ainda transpondo o Azul sereno,

Sinto em minhalma o tóxico, o veneno

E a desdita dos seres sofredores.

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