segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A outra margem

Era garotinho, tinha, talvez uns oito anos, frequentava a escola primária que ficava a cerca de 5 klm de minha casa, lá na aldeia. Fazia o trajecto a pé, pela estrada asfaltada que atravessava a aldeia, mas logo que as chuvas acabavam e vinham as cores da primavera, regressava a casa por um trilho que passava junto do meu rio.

Nos fins de Maio, sentava-me na margem à sombra dum velho salgueiro florido, comendo uma mão cheia de cerejas que tinha colhido nas cerejeiras do caminho.

Olhava a outra margem do meu rio e tentava adivinhar o que haveria naquela margem onde nunca se viam pessoas, apenas os enormes pinheirais que partiam da margem até se perderem lá nos confins do alto da serrania, no horizonte

E pensava: que mistérios esconderá aquela margem? Haverá por lá alguma das bruxas más, ou alguma princesa encantada das que minha avó, nas noites de Inverno, à lareira, nos contava com aquela voz melodiosa que só as avós têm?

Senti várias vezes a tentação de me lançar ao rio, nadar até à outra margem para desvendar esses mistérios que me intrigavam. E, um dia em que o rio já era menos caudaloso, por falta das chuvas de Inverno, pousei a sacola tirei minhas roupas e, completamente nuzinho como tinha vindo ao mundo, lancei-me ao rio e nadei até à outra margem.

Cauteloso, caminhei alguns metros, com as mãos em concha tapando meu inocente fruto, com medo que alguma dessas bruxas más me raptasse. Um lagarto assustado a rastejar sobre as folhas secas, fez tal ruído que a meus ouvidos pareceu um terremoto.

Mais assustado que o pobre lagarto, regressei à minha margem, muito mais segura, embora muito menos excitante.

No dia seguinte voltei à outra margem do meu rio. Agora mais confiante pois minha mãe me assegurara que já não havia bruxas más nem princesas mouras encantadas.

Então, quando pus os pés na outra margem, senti-me um Vasco da Gama ou um Pedro Alvares Cabral descobridores temerários que a professorinha ensinava lá na escola.

E tantas vezes atravessei o meu rio, fiz tantas descobertas por lá que a outra margem deixou de ter interesse para mim, uma vez que o mistério que a envolvia deixou de existir e o interesse do desconhecido é que me levava à aventura da outra margem.



Pela vida fora, foram surgindo no meu caminho, novas margens do lado de lá de outros rios, com os seus encantos e mistérios, que fui desvendando até que acabado o mistério, o desconhecido que me entusiasmava, partia à procura de outro rio, com outra margem enigmática, misteriosa, que eu tentava descobrir e desvendar os mistérios que ela comportava.



Neste momento, estou na margem de cá dum novo rio que desta vez não quero atravessar. Os mistérios que envolvem a outra margem, vão continuar sendo mistérios,

Para que ela nunca perca o interesse que me desperta.

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