sábado, 27 de janeiro de 2007

CÂNTICO NEGRO








Dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E não vou por ali...
A minha glória é essa:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se às coisas que eu pergunto em vão ninguém responde
porque me dizeis vós:
"vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo,
foi Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios passos na areia inexplorada!
O mais que eu faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis ferramentas machados e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide!
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes estradas,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes livros, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é quem me guia, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci no amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Não me peçam definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou -
Sei que não vou por aí!
José Régio




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